quarta-feira, 26 de outubro de 2011

PEL - Défices Semântico-Pragmáticos

Este artigo visa uma revisão sobre a teoria e investigação no âmbito das perturbações específicas de linguagem (PEL), mais propriamente nos défices semântico-pragmáticos.

1) Perturbação Específica de Linguagem (PEL)
A terminologia PEL apareceu pelas mãos de Bishop e Leonard, posteriormente, Stark y Tallal em 1981, determinaram os primeiros critérios para a PEL. Enumeraram 6 requisitos para o diagnóstico de PEL. A classificação desta perturbação baseou-se em critérios de exclusão, de modo a poder formar grupos heterogéneos de crianças.
Denominamos PEL quando há a existência de uma perturbação de linguagem, com início lento e retardado, comparado com a idade cronológica do indivíduo. Não pode estar relacionado com nenhum défice cognitivo, sensório--auditivo, motor, nenhum transtorno generalizado do desenvolvimento, alterações neurológicas, estruturais e funcionais do desenvolvimento (Muñoz-Yuntana et al., 2005).

A classificação mais usada para as PEL é a de Rapin e Allen (1983-1987), que as agrupa de acordo com diversas tipologias, com base clínica, empírica e mista (empírico-clínica). A mais usada é a que tem por base a tipologia clínica:
1- Agnosia verbal auditiva;
2- Dispraxia verbal;
3- Défice de programação fonológica;
4- Défice fonológico-sintáctico;
5- Défice léxico-sintáctico;
6- Défice semântico-pragmático.

Esta classificação foi reformulada em 1996, de um ponto de vista mais prático, dividindo deste modo as PEL em 3 tipos:
1-Perturbação específica da linguagem expressiva (PEL-E) – quando as crianças apresentam um vocabulário receptivo com boa compreensão sintáctica, discriminação fonológica adequada e memória normal, mas apresentam dificuldades semântico expressivas, assim como transtornos na formulação de sequências motoras rápidas (subgrupos 2 e 3 da classificação clínica);
2- Perturbação específica da linguagem expressivo-receptiva (PEL-ER)- as crianças manifestam disfunções na recepção da linguagem assim como na compreensão sintáctica e fonológica e capacidade de memória limitada (subgrupos 1 e 4 da classificação clínica);
3- Perturbação do processamento de ordem superior (subgrupos 5 e 6 da classificação clínica) (Muñoz-Yuntana et al., 2005).

1.1. Défice Semântico-Pragmático (PLI)
Crianças com PLI têm dificuldades no uso da linguagem em contexto de interacção social. Bishop (citado por Merrison, 2005) defende que as dificuldades de pragmática são problemas de comunicação que estão relacionados com o uso apropriado da linguagem num determinado contexto. Embora a linguagem possa estar, a nível estrutural, bem formada, crianças com dificuldades na pragmática muitas vezes têm dificuldades no pegar a vez durante a conversação, em manter o tópico da conversa, fazer inferências e reparar a comunicação, quando esta é quebrada. Tendem a ser muito literais e a capacidade para tirar inferências pode ser restrita ou estar atrasada (Smedley, 1989 citado por Adams, 2001).
Muitos estudos com crianças com esta perturbação, centram-se no seu evidente défice verbal expressivo. Contudo, estas crianças também têm dificuldades a nível da compreensão de material auditivo, especialmente na recepção de vocabulário e na compreensão das estruturas gramaticais (Bishop, 1979, 1982; Van der Lely & Harries, 1990 citados por Bishop & Adams, 1992). Paralelamente, estas crianças apresentam alterações ao nível da socialização e do comportamento, levando muitas vezes a pensar em perturbações do espectro do autismo (Bishop & Leonard).
Segundo Jane Stanton/Lynne Thomas as seguintes características são comuns às crianças com défice semântico-pragmático:
• Inapropriado contacto visual / expressão facial;
• Discurso é fluente, mas carece de conteúdo e direcção;
• Ecolália;
• Explicações e respostas a perguntas não são específicas;
• A compreensão é pobre, particularmente de conceitos abstractos e compreensão pode ser literal;
• O jogo interactivo e imaginativo é pouco desenvolvido e há dificuldade em reconhecer e expressar as emoções;
• Há dificuldade em acompanhar as regras “não escritas” da conversação, como a tomada de vez, adequação e linguagem não verbal;
• Conceitos temporais fracos causam confusão sobre rotina escolar e cronológica dos eventos;
• A memória auditiva é pobre;
• Pobre capacidade de atenção, baixa motivação e facilmente se distraem;
• Raramente pedem ajuda e esclarecimentos;
• Comportamento pode ser descrito como ingénuo ou excêntrico;
• Boa capacidade de leitura mecânica, mas a compreensão é limitada;
• Auto-estima é baixa;
• Podem parecer mal educados e arrogantes;
Um factor significante para a maior parte destas características é o fraco processamento auditivo destas crianças; a habilidade de seleccionar, assimilar, memorizar e guardar a informação tem um grande impacto nas capacidades linguísticas tanto na expressão como na compreensão. Estas são incapazes de usar a linguagem com a mesma compreensão e flexibilidade que as outras crianças.
Possíveis dificuldades que estas crianças podem ter nas actividades em grupo:
• Falta de atenção;
• Facilmente se distraem;
• Dificuldades de compreensão de textos e/ou vocabulário;
• Recuperação da palavras- devido à dificuldade em armazenar a informação sobre o significado das palavras, precisam de mais pistas para acederem às palavras;
• Incapacidade para seguir o rápido intercâmbio verbal;
• Lentos a responder ou respondem inapropriadamente;
• Incapacidade para acompanhar as alterações do tópico em discussão;
• Incapacidade para entender significado implícito.

2 - Défice semantico-pragmático e lesões do hemisfério direito
As crianças com défice semantico-pragmático (PLI) usam a linguagem de forma fluente, gramaticalmente complexa, mas com pouca sensibilidade para as situações da comunicação. Estas características vão de encontro ao que acontece com os adultos que sofrem uma lesão no hemisfério direito, o que faz pensar que este défice, está ligado a uma disfunção deste hemisfério. Em ambos os casos, há uma dificuldade na integração da informação, o que se reflecte no seu output verbal. Ambos os grupos têm uma compreensão pobre e o uso da comunicação não verbal e da prosódia encontram-se alterados. Em tarefas estruturadas, têm uma melhor performance do que em tarefas não estruturadas. Ambos tendem a ter dificuldades em assimilar e usar pistas contextuais, fazem uma interpretação literal nos casos de linguagem figurativa e apresentam dificuldades em lidar com as metáforas e com o humor. Tanto os indivíduos com lesão cerebral no HD como as crianças com PLI tendem a dar respostas impulsivas cheias de detalhes tangenciais e têm dificuldade em distinguir a informação que é importante da que é supérflua.

3 - Autismo e o défice semantico-pragmático
Dorothy Bishop percebeu que deveria haver alguma ligação entre os défices semântico-pragmáticos e os das perturbações do espectro do autismo (PEA) e do síndrome de Asperger (Bishop, 1989 citado por Shields, 1991).
Nos últimos anos, tem-se debatido sobre se o défice semântico-pragmático é ou não, na verdade, um diagnóstico adequado, ou simplesmente um termo descritivo para os problemas da comunicação e da relação, dificuldades encontradas em pessoas com autismo (Shields, 1998). Os resultados da investigação indicam que o défice não pertence ao espectro autista e tem subjacente a mesma tríade (relações sociais, comunicação e imaginação) do autismo (Shields, 1998).
As crianças autistas, tais como as com défice semântico-pragmático, apresentam um atraso no desenvolvimento da linguagem e um uso anormal da mesma, apresentando défices nas áreas da prosódia, no uso da linguagem para a socialização e na habilidade de ler as expressões emocionais (comportamentos não verbais da comunicação / relação).
Bishop & leonard verificaram que as dificuldades pragmáticas, não são apenas secundárias a problemas estruturais da linguagem nestas crianças, no entanto, também não são critério para um diagnóstico de autismo. Uma solução dada para as classificar foi denomina-las como défice semântico-pragmático, como uma entidade de diagnóstico, distinta tanto da PEL como de uma PEA.






Figura 1

O diagrama acima representado (fig.1) ilustra de uma forma dimensional, as perturbações de comunicação. As três grandes características têm alguma ligação com a tríade tradicional das PEA, mas que frequentemente são dadas a conhecer como estando dissociadas. Diferentes crianças, terão diferentes sintomas, quanto à sua variação e severidade. A PEA é diagnosticada quando a criança apresenta alterações major nestas três áreas. Já o síndrome de Asperger é definido pelo DSM IV como uma perturbação do desenvolvimento em que as capacidades estruturais da linguagem desenvolvem-se normalmente, é demonstrado como tendo uma combinação de alterações no uso da linguagem para a socialização (capacidade relacional) e tendo interesses restritos. No que diz respeito às crianças que apresentam PLI, há um desenvolvimento da linguagem, relativamente adequado, situa-se apenas no círculo que envolve as capacidades social / pragmática. No entanto, verifica-se a não existência de laços entre esta perturbação e a PEA bem como entre os PEL.
Bishop & Leornard, abordam um método que ajuda no despiste dos três défices. Para além da utilização de check lists, deve ser utilizada a análise, através de vídeo, dos comportamentos não verbais das crianças, com o objectivo de identificar dificuldades comunicativas, para além das da linguagem oral. Também mencionam a necessidade de abandonar a ideia de uma distinção nítida entre autismo e PEDL, e ir para uma abordagem mais quantitativa, que possa despistar os PLI, como uma perturbação intermédia entre a PEA e a PEL, do que a situar dentro de uma das duas.


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Bibliografia


Adams, C. (2001). Clinical diagnostic and intervention studies of children with semantic-pragmatic language disorder. International Journal of Language & Communication Disorders, 36 (3), 289-305.

Bishop, D. & Adams, C. (1992). Comprehension problems in children with specific language impairment: literal and inferencial meaning. Journal of Speech and Hearing Research, 35, 119-129.

Bishop, D. & Leonard, L. (1111). Speech and language impairment in children: causes, characteristics, intervention and outcome. Psychology Press,

Muñoz-Yuntana, J.A. et al. (2005). Transtornos espeíficos del lenguaje: diagnóstico, tipificación y estudios con magnetoencefalografía. Revista de Neurología, 40 (1), S115-S119.

Shields, J. (1998). Semantic pragmatic impairments
http://www.nas.org.uk/nas/jsp/polopoly.jsp?d=1070&a=3361 14:54


segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Capacidades de Linguagem de Crianças Nascidas Pré-termo entre os 3 e 4 anos de idade

Pelo aumento da taxa de natalidade de recém nascidos de pré-termo, tem sido dada especial atenção aos mesmos através de inúmeras pesquisas sobre os impactos da maturidade biológica no desenvolvimento humano.


Partindo do pressuposto de que a aquisição e o desenvolvimento da linguagem dependem das condições e da interacção de factores biológicos, psíquicos e sociais, qualquer alteração, seja da condição ou da interacção destes factores, pode ocasionar desvios no processo de evolução, culminando num desenvolvimento atípico. Foi partindo deste pressuposto foi realizado um estudo exploratório transversal e correlacional dos vários tipos do desenvolvimento da linguagem na criança pré-termo entre os 3 e os 4 anos de idade, nascidas no Hospital Dr. Nélio Mendonça. A avaliação do desenvolvimento da linguagem comportou a avaliação da compreensão e da expressão. Foram estudadas 60 crianças pré-termo nas faixas etárias dos 3,0 – 3,5 e 3,6 – 3,11.

Os principais objectivos da presente pesquisa foram:

1) Caracterizar o desenvolvimento da linguagem de crianças nascidas de pré-termo, entre os três e quatro anos de idade, em função da idade gestacional e peso à nascença e

2) Observar se existem diferenças entre o desenvolvimento da linguagem nas crianças de pré-termo e nas de termo, com desenvolvimento normal de linguagem, e: (a) observar se o processo de aquisição da linguagem é influenciado pela idade gestacional, (b) e/ou pelo peso à nascença; (c) observar se existem mais variáveis que influenciem o desenvolvimento da linguagem.


No tratamento e análise estatística foram utilizadas variáveis dos factores biológicos e sociais e das pontuações obtidas na avaliação da linguagem. Foi realizado o estudo comparativo entre as crianças pré-termo e as de termo com desenvolvimento da linguagem normal, bem como a análise correlacional e preditiva entre as várias variáveis analisadas e do desenvolvimento da linguagem.


Os dados evidenciaram que existem diferenças significativas na avaliação do desenvolvimento da linguagem, das crianças pré-termo, tais como:

(1) na comparação com as crianças de termo com um desenvolvimento da linguagem normal nas pontuações médias totais obtidas na compreensão e na expressão;

(2) na relação entre o percentil do desenvolvimento da compreensão e da expressão com o défice de atenção, quociente geral de desenvolvimento, problemas visuais e alterações neuromotoras respectivamente

(3) na relação entre a idade gestacional e os problemas auditivos.

A análise do coeficiente de correlação indica que existe uma relação linear moderada, positiva entre a expressão e a compreensão.

A identificação destas alterações, principalmente antes do período da escolaridade, possibilita uma intervenção atempada minimizando as dificuldades e facilitando a aprendizagem

Palavras-chave: avaliação do desenvolvimento da linguagem; criança pré-termo, idade gestacional; peso à nascença



Ana Marques

2010